É muito comum as pessoas procurarem soluções, fora de si, para os problemas de dentro. O erro, apesar de tudo, vem antes disso: no facto de situarem o problema fora de si, quando, na grande parte das vezes, o problema está dentro, e é esse o olhar que precisa ser lançado.
São vários os exemplos disso - dos mais manifestos, aos mais subtis e curriqueiros. É quando o stress no trabalho é atribuído ao chefe, ou ao ambiente, ou às inúmeras responsabilidades associadas. É quando se julga que toda a infelicidade sentida se deve ao fim de uma relação amorosa, a um mau resultado numa importante competição ou a uma pior prestação académica. É quando se relaciona o vazio por vezes sentido à rotina do dia-a-dia ou quando a solidão que se sente é ligada à ausência de um/a companheiro/a. É quando se acredita que a dificuldade em gostar de si próprio é resultado de uma imagem que não vai ao encontro dos requisitos - um corpo feio, um rosto cheio de defeitos, uma figura marcada por uma série de falhas e insuficiências. Não quero com isto sugerir que estas se tratem de questões de menor importância, contudo, muitas vezes tendem a constituir-se apenas como uma “capa” para questões maiores e mais profundas - e dificilmente se resolvem sem se olhar para dentro.
Por sua vez, as soluções aparecem, muitas das vezes, com qualidades quase “mágicas”. Como quando se decide mudar de casa, adquirir um carro novo, ou ter mais filhos, acreditando, consciente ou inconscientemente, que isso poderá ser a resposta para a monotonia do dia-a-dia ou para a insatisfação de uma relação. Ou quando se mergulha a cabeça no trabalho, no consumismo, nos afazeres desenfreados do dia a dia ou nos scrolls infindáveis das plataformas sociais, numa tentativa frenética e voraz de evitar o vazio e a dor, de parar para pensar. Ou quando se salta de relação em relação, mesmo que sucessivamente problemáticas, para fugir à insuportabilidade de se estar só; ou se assume uma sexualidade hiper activa na procura de colmatar importantes lacunas afectivas. Ou quando a organização e planeamento dos mais diversos aspectos do quotidiano passam a ser regentes quase exclusivos da nossa vida e o centro de todas as nossas preocupações - de tal forma que não se admitem falhas -, para tirar lugar ao desamparo e à impotência de tudo aquilo que não se controla (dentro).
Trata-se sempre de olhar para fora, para não olhar para dentro. Procurar fora, para não sentir dentro. Mudar fora, na impossibilidade de mudar dentro.
São múltiplos os motivos para isto acontecer. Medo de questionar, medo da dor, medo de nos perdermos. Medo de sentir a impotência e a frustração de não saber o que fazer com tudo o que vai dentro - ou de nem sequer saber o que vai dentro. Medo de nos confrontarmos com o(s) verdadeiro(s) problema(s), pois é muito mais suportável viver o(s) mal(es) fora de nós e, sobretudo, é mais fácil acreditar que as soluções também podem estar fora - uma vez que essas, pelo menos, estão sob o nosso controlo e tornam os problemas passíveis de ser resolvidos (ou assim o julgamos).
O problema que este tipo de mecanismo traz consigo é que, sem que a pessoa se aperceba, está constantemente a anestesiar partes suas, partes da sua pessoa e identidade - é quase o mesmo que dizer, a morrer aos poucos. A pessoa vai-se tornando cada vez mais funcional, na maneira como leva a sua vida e o seu dia-a-dia, mas também menos viva e ligada ao seu mundo emocional e afectivo - a si própria.
Até ao ponto em que dificilmente se sente alegria, gozo ou prazer, no que quer que seja. Até ao dia em que a depressão aparece, como uma sombra que já não dá descanso. Em que a ansiedade começa a tomar conta das mais diversas situações. Em que a pessoa é invadida por pensamentos profundamente perturbadores, sem que os consiga impedir ou controlar. É, normalmente, quando se chega a estas alturas, que as pessoas procuram ajuda - e, muitas vezes, procurando que também o/a psicoterapeuta dê uma resposta, concreta e imediata, ao seu sofrimento. Só que é preciso muito mais do que isso. É preciso resgatar todo um mundo interno. Aquele mundo interno, do qual a pessoa se desligou e foi desligando, ao longo do tempo, até se perder - ou, talvez seja mais correcto dizer, até se dar por perdida. E, sim, é preciso sentir e contactar com o sofrimento e as dores que aí habitam (pois que todos as temos). É preciso tempo: tempo para sentir, para pensar, para questionar. Afinal, o que está por trás do vazio, da solidão, da falta de sentido? Do desgaste, do desgosto, da dor? Do desamparo, da enorme fome de amor (do outro e por si próprio)?
Uma coisa é certa: o prazer e a dor, como a alegria e a tristeza, o bom e o mau, são duas faces da mesma moeda. Pelo que, para que possamos sentir prazer e estar verdadeiramente ligados aos afectos bons da nossa vida, temos de ter a possibilidade de contactar com a(s) nossa(s) dor(es) e tristeza(s). Na verdade, significa estarmos ligados a nós, por inteiro. De aceitar e integrar tudo aquilo que (de nós) faz parte. E só assim se pode existir inteiro.
É neste sentido que a psicoterapia aparece como a possibilidade de quebrar este ciclo (dentro vs. fora), oferecendo, não uma solução mágica ou um remédio para anestesiar sintomas “incómodos”, mas uma solução real - e por real, entenda-se, com tudo aquilo que tem de bom e de mau. Com as suas partes melhores, mas também as mais difíceis. Trata-se do processo de procurar e repor dentro, o que é, e sempre tem sido, posto fora. Pois que, a verdadeira transformação, é feita de dentro para fora, e não de fora para dentro.