Porque é que me acontece sempre o mesmo?

Filipa Clemente

É muito comum as pessoas terem certos padrões de relação, ou até mesmo apaixonarem-se por pessoas com um perfil muito semelhante entre si. E, apesar de terem a percepção de que isto acontece, muitas vezes recusam a ideia de poderem ter algum tipo de responsabilidade ou papel nestas escolhas, pois “quando conheceram a pessoa, não sabiam que era assim” ou “no momento em que se envolveram, tudo era diferente” - logo, este fenómeno é apenas um acaso (ou um “azar”, quando se dá o caso de se repetir uma má experiência).

Mas a verdade é que nada acontece por acaso e, especialmente no mundo do inconsciente, há sempre um motivo e uma explicação para aquilo que se repete nas nossas vidas. Pode não estar ao alcance do óbvio, do visível, nem do que somos capazes de compreender racional e conscientemente, mas existe sempre. E, se procurarmos as perguntas certas, encontraremos as respostas necessárias.

De outra forma, como se explica que haja pessoas por quem sentimos desde logo uma empatia particular ou, pelo contrário, uma especial antipatia? Tratam-se de fenómenos explicados pela comunicação inconsciente - e, como o próprio nome indica, acontecem sem que as pessoas se dêem conta.

O nosso inconsciente atua como uma força que não vemos. De tal modo, que tendemos a fazer as nossas vidas sem sequer nos lembrarmos de que existe e de que está presente, de uma maneira ou de outra, em tudo o que fazemos - nas escolhas, nos medos, nos desejos, nos impulsos, nos anseios, tal como nas nossas relações e, naturalmente, na forma como nos relacionamos e estamos em relação.

Então, em que momento é que eu faço esta escolha de forma “intencional”? E como posso fazê-la intencionalmente, quando aparentemente não há nada que seja indicativo de semelhanças com o que vivi anteriormente? De facto, se se procurar responder objetiva e racionalmente, dificilmente se encontrará uma resposta que obedeça a um raciocínio lógico. A pergunta, aqui, deverá ser de uma outra ordem: que vivências afectivas são estas que estamos a repetir, como o estamos a fazer e porquê.

Porque será que escolho sempre alguém que me faz sentir tão abandonado/a? Ou que, efetivamente, acaba por me abandonar? Terei vivido, ou sentido, algum tipo de abandono na minha vida?

Porque será que me torno tão controlador/a quando me relaciono ou, pelo contrário, que escolho pessoas tão controladoras? Em que medida é que o afecto e o controlo se misturaram, ou confundiram, nas relações com que cresci?

Porque é que procuro sistematicamente pessoas que me fazem sentir tão desvalorizado/a e mal tratado/a? Será que não me sinto merecedor/a de afecto? Que vivência foi a minha para me sentir tão pouco merecedor/a?

Porque será que fico tão dependente nas minhas relações? Terei crescido demasiado desamparado? Ou, com tão pouca autonomia, que sinto que preciso da presença e apoio de um outro para dar conta da minha vida?

Porque é que me relaciono intimamente com pessoas que me mentem e/ou traem sucessivamente? A que tipo de modelo relacional é que assisti?

Porque é que me torno tão subjugado/a ao outro? De que forma é que, na minha vida, o amor ficou ligado a uma relação de domínio/submissão?

Porque é que encontro repetidamente pessoas que não me dão liberdade? Terei tido demasiada liberdade? Ou ter-me-ei sentido excessivamente aprisionado por aqueles que me amavam?

Porque será que tendo a assumir um papel cuidador nas minhas relações e acabo por sentir que a pessoa que tenho a meu lado não é capaz de cuidar de mim? Será que, de alguma forma, tive de cuidar daqueles que deveriam ter cuidado de mim? 

É a partir de perguntas tão simples quanto estas, que brotam muitas mais, e que se abre caminho para o pensamento. E, consequentemente, para a mudança. 

O difícil, muitas das vezes, é perceber, exatamente, o que estamos a repetir, como estamos a repetir e porque estamos a repetir - sendo neste sentido que a psicoterapia se oferece como um processo promotor da capacidade de pensar e, com isso, transformar.

Pois, tal como sugeriu Freud, o que não pensamos, agimos; e o que agimos - sem pensar -, repetimos.