É durante a viagem que Bandit e Chilli fazem com as filhas para casa dos avós, que Bluey e Bingo percebem que estes não vão ficar com elas.
Bluey: Ei, esperem lá, porque é que vocês não ficam em casa da avó?
Mãe: Porque eu e o teu pai queremos passar algum tempo juntos, Bluey.
Bluey: O quê? Sem nós?
Pai: Sim, até custa acreditar, não é?
Bluey: O que é que vão fazer sem nós?
Pai: Bem, vamos descansar em camas de rede confortáveis com óculos de sol.
Mãe: A beber água de côco com chapelinhos.
Pai: As crianças ficam de fora.
Mãe: Sim, as crianças ficam de fora.
Bluey e Bingo: O quê???
Bingo: Isto é um ultraje!
Ofendidas, as filhas dizem que não os vão deixar ir embora sem si. A partir daí, desenrola-se uma brincadeira na qual imaginam inúmeras maneiras de impedir os pais de as deixar para trás, enquanto os últimos procuram soluções criativas para conseguir fugir. Determinadas em apanhar os pais, Bluey e Bingo imaginam-se no seu “carro-casa-de-sonho” — uma “casa de sonho gigante sobre rodas”, desenhada por si, com vários compartimentos e uma piscina, conduzida por “mordomos”. Por fim, conseguem “encurralá-los”.
Mãe: Está bem, ganharam. Não vale a pena, acabou-se.
Bluey: Eh… não. Têm de continuar a tentar fugir.
Pai: O quê?
Mãe: Mas, vocês apanharam-nos, nós brincámos convosco.
Bingo: Não, eh, nós gostamos quando vocês fogem de nós.
Pai: Oh, não sejam tolas, queremos um abraço!
Bluey e Bingo: Nããão!
Bluey: Foge Bingo!
A brincadeira inverte-se e passam a ser as filhas a tentar escapar dos pais.
Chegados a casa dos avós, as últimas despedem-se dos pais, e aquela que era antes a sua vontade de os contrariar e ir ver televisão, dá lugar ao desenho. Contentes, ambas começam a desenhar, recriando a história que construíram com os pais ao longo da viagem.
Este episódio trata de um tema sensível para muitos, pois nem sempre é fácil, para o casal parental, encontrar tempo e disponibilidade para si, assim como é muitas vezes difícil gerir a culpabilidade que isso gera.
É natural que a criança lute, ativamente, para ser o centro daqueles que a rodeiam e que tenda a reivindicar toda a atenção para si, pois ainda está a tentar perceber a sua importância e lugar, no mundo e nos outros. Como tal, os filhos têm particular dificuldade em aceitar e lidar com os sentimentos de exclusão, sobretudo quando sabem que os pais estão um com o outro — o que significa que, não só não estão centrados em si, como possivelmente também têm um lugar importante um para o outro.
Isto leva a que as crianças testem, das mais variadas formas, o seu lugar e importância junto dos adultos, e procurem “interferir” com o espaço destes quando sentem que o seu pode estar em causa, tal como acontece com Bluey e Bingo no início da brincadeira com os pais. É claro que, ao contrário do que se assiste no episódio, estes momentos de separação devem ser devidamente antecipados e explicados, sob pena da criança os sentir como uma forma de abandono e/ou rejeição. Esta precisa de tempo para os interiorizar e, com isso, questionar, reivindicar, ripostar e se zangar. Tudo o que faz parte.
Por seu lado, estes sentimentos e reações por parte dos filhos podem tornar difícil para os pais deixá-los “de fora”, pois sentem-se culpados e têm necessidade de assegurar que o seu amor se mantém acima de “tudo e todos”. Mesmo que isto nem sempre impeça de se separarem dos filhos, às vezes não permite que os pais desfrutem em absoluto desse tempo e/ou, então, leva a que entrem numa óptica de “compensação”, através da qual se sentem na obrigação de corresponder a todas as solicitações da criança.
A verdade é que, contrariamente às expectativas e desejo dos pais, isto não fomenta na criança a segurança e certeza do seu lugar junto destes, mas antes dúvidas e conflitos aos quais esta ainda não tem a maturidade psíquica necessária para dar resposta.
A criança ainda está a aprender a separar o mundo interno do mundo externo e, à medida que cresce, vai-se tornando cada vez mais possível para esta interiorizar as principais figuras afectivas da sua vida e o seu vínculo a/com estas. Poder ficar sem os pais, por determinados períodos de tempo — naturalmente, diferentes consoante a fase de desenvolvimento em que se encontram —, é também poder perceber que, independentemente de também haver espaço para o casal parental — como para outras pessoas, relações e vivências —, a criança nunca deixa de ter um lugar dentro dos pais e de ser amada por estes.
Ainda neste sentido, e tal como evidencia o episódio, é também na exclusão que a sua criatividade e imaginação é estimulada e se desenvolve, na medida em que são possibilitados de aceder ao seu próprio mundo interior — o lugar onde podem fazer perguntas, procurar respostas e, como crianças que são, imaginar. Esta é, talvez, das ferramentas mais importantes para o desenvolvimento de um Eu seguro, autónomo e capaz de pensar.
Apesar de Bluey e Bingo reagirem à vontade dos pais de passar tempo sem as filhas, a segurança e ausência de culpa com que o fazem dá lugar à construção da sua própria “casa-carro-de-sonho” — uma feliz metáfora para duas crianças que, assim, podem sonhar com, e a partir de, o seu próprio mundo.
O facto dos pais poderem ter espaço para si, leva a que as crianças também possam vir a ser capazes de usufruir do mesmo — do espaço para sonhar e pensar, criar e construir. Ou, como no episódio, espaço para desenhar a sua própria casa-carro-de-sonho. Todos os pais desejam que os filhos cresçam e sejam capazes de descobrir e construir o seu lugar no mundo e na vida, independentemente e para além de si (pais). Contudo, para que isso seja possível, é fundamental que os primeiros não percam a possibilidade de, também eles, existir no seu próprio mundo e “para além” dos filhos, um com o outro e individualmente.
No momento em que, no decurso da brincadeira, Chilli e Bandit desistem de fugir e se mostram dispostos a ceder, finalmente, ao desejo das filhas, estas são claras: não só querem que eles continuem a fugir — ou, dito doutra forma, a lutar pelo seu espaço, mesmo que isso as deixe em parte zangadas —, como fogem ao gesto afectivo dos pais. No final das contas, todas as crianças precisam que a relação entre os pais seja forte e sólida o suficiente para “sobreviver” às suas (normais) tentativas de interposição.
Efectivamente, os filhos são importantes, mas, desejavelmente, não são a única-coisa-importante da vida dos pais, e é bom para eles que assim seja. Pode ser que, um dia, quando forem grandes, também eles venham a ter e construir coisas importantes, para si e só suas – tal como os seus pais.
_______________
TEMPORADA 2, EPISÓDIO 18
TÍTULO: Fuga
LINK: https://youtu.be/GHWSk5tSlj4
SINOPSE
Bluey é uma série de televisão infantil, de origem australiana, transmitida internacionalmente pela Disney Junior e Disney +. O programa gira em torno de Bluey, uma cadela antropomórfica de 6 anos, e a sua família - pais (Bandit e Chilli) e irmã mais nova (Bingo, de 4 anos). Através do reino infantil da imaginação, da brincadeira e do faz-de-conta, que ocupa um lugar central na vida quotidiana das duas irmãs, todos os episódios trazem à luz importantes temáticas da psicologia infantil e da parentalidade, apresentando sempre, de forma criativa e divertida, uma resposta construtiva aos conflitos emergentes.