Em casa, Chilli insiste com Bluey para que vá lavar os dentes. “Eu não quero lavar os dentes, é chato, mãe”, diz Bluey. A mãe responde: “As coisas chatas também são importantes”. Bandit aparece, entretanto, e propõe irem à piscina do tio. A mãe relembra-o de levar as coisas da piscina que estão na mala, ao que o pai responde: “Chaaata”.
A caminho da piscina, Bluey queixa-se da mãe ao pai.
Bluey: Às vezes a mãe é mesmo muito chata, não é?
Pai: É, sim.
Bluey: Às vezes a mãe obriga-nos a fazer coisas muito chatas, não é pai?
Pai: Obriga.
Bluey: O pai é muito mais divertido!
Pai: É verdade.
Chegados à piscina, a felicidade das filhas rapidamente dá lugar ao desespero de todos. Como o pai não levou as coisas da piscina, estas não têm chinelos, protector solar, chapéu, braçadeiras, toalhas ou comida, acabando por ficar muito zangadas com este.
Bluey: Eu acho que o pai é que é um chato, a mãe é muito mais divertida!
Entretanto, a mãe chega.
Mãe: Oh, ainda bem que dizem isso!
Bluey e Bingo: Mãaaeee!
Mãe: Trouxe as coisas da piscina que deixaram em casa.
Assim que Chilli chega, todos ficam aliviados e a família pode, finalmente, disfrutar do seu dia na piscina. Por fim, a mãe pergunta às filhas: “Já perceberam que as coisas chatas também são importantes?”.
Este episódio dá conta da forma como a criança ainda organiza o seu mundo emocional, ao mesmo tempo que evidencia a importância das diferentes funções parentais.
O mundo emocional da criança não é como o do adulto, pois existe uma imaturidade psíquica que a impede de regular as suas emoções de forma madura, sobretudo quando são sentidas como contraditórias. É ao longo do seu crescimento que esta vai aprendendo a integrar o que sente como “bom” e “mau”, “positivo” e “negativo”, progredindo em direção a uma maior maturidade emocional. Até essa altura, a maneira que a criança encontra de gerir os seus afectos é separando os “bons” (amor, prazer, alegria) dos “maus” (zanga, raiva, frustração).
Por esta razão, os pais facilmente passam de “fixes” a “chatos”, de “bons” a maus”, do/a “melhor pai/mãe do mundo” ao/à “pior pai/mãe do mundo”. Tal como sugere o título, é aqui que o clichê “polícia bom” vs. “polícia mau” tem lugar, enquanto reflexo da maneira como os filhos expressam o seu contentamento e descontentamento, respectivamente, para com os seus pais.
A partir do momento em que os adultos, tal como suposto, não dão sempre uma resposta afirmativa ao que os filhos querem e os obrigam, responsavelmente, a fazer uma diversidade de coisas que não querem — ou, dito doutra forma, de “coisas chatas” (dormir, vestir, tomar banho, lavar dentes, etc.) —, são muitos os momentos em que a criança se sente frustrada e zangada. Afinal, porque é que aquela pessoa, que gosta tanto de mim e me dá tantas coisas boas, às vezes também me faz sentir e fazer coisas que não gosto?
Efectivamente, é importante que as crianças possam expressar todo o tipo de emoções sem sentir que isso afecta os pais, uma vez que o mundo emocional não é só feito de afectos positivos, assim como o mundo real não é só feito de prazeres e coisas boas. Neste sentido, Bandit e Chilli aparecem como pais adequados, seguros de si e na sua relação com as filhas — ou, pelo menos, seguros o suficiente para não reagir negativamente aos comentários da filha.
Contudo, muitas das vezes, os pais ficam sentidos quando são apontados como o “polícia mau”, pois questionam se os filhos ainda gostam de si e/ou interpretam que estes gostam mais da outra figura cuidadora. Enganam-se. E isto remete para outra questão fundamental: Os pais têm maneiras de ser e funções diferentes na sua parentalidade, e nenhuma é melhor ou mais importante do que a outra, na medida em que são complementares e as duas são essenciais para o crescimento e equilíbrio emocional da criança.
Ao longo da série, o pai sobressai como uma figura divertida e brincalhona, ao passo que mãe assume um papel mais activo no que diz respeito às regras, aos valores e à disciplina, no geral. No entanto, tal como o episódio demonstra, ambos são indispensáveis para o equilíbrio familiar e para o bem estar das filhas. Se o brincar oferece à criança a possibilidade de crescer e aprender através do recurso à fantasia e ao(s) sonho(s); as coisas ditas “chatas”, na verdade, criam condições para que a brincadeira possa ter um lugar sustentado pela, e na, realidade - e, como tal, um lugar seguro. Nenhuma criança terá um crescimento harmonioso se só tiver acesso ao prazer ou às regras e à disciplina.
Apesar das suas diferenças evidentes, Bandit e Chilli apresentam-se como figuras parentais sólidas e consistentes, quer na sua maneira de ser e estar com as filhas, quer na coerência existente entre si. Tal como os filhos, todos os pais são diferentes e todos estabelecem dinâmicas, também elas diferentes e próprias, com cada um dos seus filhos. E, conquanto estas dinâmicas não se oponham e incompatibilizem entre si, está tudo certo.
O episódio ilustra — a meu ver, de forma muito bem conseguida — a importância das diferenças existentes entre os cuidadores da criança e o quão estas contribuem para a organização do mundo interno infantil como um todo e para o próprio equilíbrio familiar, sem que nenhum tenha mais valor do que o outro. Ao mesmo tempo, torna claro que o modo como as crianças expressam os seus afectos, face aos seus sentimentos de agrado/desagrado para com os pais, tem mais que ver com a sua normal imaturidade emocional do que com o facto de gostarem mais de um ou de outro.
Se este reflexo da imaturidade infantil for compreendido pelos últimos e os pais se mantiverem seguros da sua importância e valor, então, isso só poderá contribuir para que os seus filhos sejam bem sucedidos nesta tarefa difícil que é a de crescer e aprender a gerir e integrar a(s) complexidade(s) do mundo afectivo.
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TEMPORADA 1, EPISÓDIO 22
TÍTULO: A Piscina
LINK: https://www.youtube.com/watch?v=RDYe2vL0oVM
SINOPSE
Bluey é uma série de televisão infantil, de origem australiana, transmitida internacionalmente pela Disney Junior e Disney +. O programa gira em torno de Bluey, uma cadela antropomórfica de 6 anos, e a sua família - pais (Bandit e Chilli) e irmã mais nova (Bingo, de 4 anos). Através do reino infantil da imaginação, da brincadeira e do faz-de-conta, que ocupa um lugar central na vida quotidiana das duas irmãs, todos os episódios trazem à luz importantes temáticas da psicologia infantil e da parentalidade, apresentando sempre, de forma criativa e divertida, uma resposta construtiva aos conflitos emergentes.