– Pais & Filhos a partir da Bluey – 1. Competição entre bebés (ou pais?)

Filipa Clemente

Com o texto que se segue, inicia-se uma série de textos que abordam importantes temáticas da infância e da parentalidade, tomando como ponto de partida os episódios da Bluey, uma série de animação infantil com muito sucesso entre as crianças.

No parque infantil, Bluey exibe-se à mãe, enquanto salta de umas barras para as outras.

Bluey: Mãe, diz-me, eu sou melhor nisto do que a Bingo?

Mãe: Tu és dois anos mais velha do que ela, Bluey.

Bluey: E eu sou melhor do que a Judo?

Mãe: És mais ou menos igual à Judo.

Bluey: Não sou, a Judo não consegue saltar entre barras ou andar para trás e para a frente nesta coisa.

Mãe: Um dia ela vai conseguir.

Bluey: Mas… eu sou melhor do que ela, neste dia?

Mãe: Bluey, corre contra ti mesma.

Bluey: Hã? O que é que isso quer dizer?

Para explicar a Bluey o significado da frase, a mãe conta às filhas a sua própria experiência de competição com a mãe de Judo, amiga de Bluey, na altura em que as filhas eram bebés. Chilli revela o quão ficou orgulhosa quando Bluey foi a primeira bebé, do grupo de mães, a rebolar e o quão sentiu necessidade de exibir a sua conquista.

Contudo, quando a bebé Judo foi a primeira a sentar-se, Chilli diz, “eu não sei o que é que me deu, mas eu estava determinada a que tu andasses antes da mãe da Judo”. Lapso. “Quer dizer… da Judo”.

Preocupada com o atraso da filha em relação a Judo, que já se sentava e, depois, gatinhava, Chilli consulta o médico várias vezes, que lhe diz que não há motivos para preocupações. Mas isto não é o suficiente para a tranquilizar e a mãe de Bluey investe em livros, e numa enorme diversidade de métodos, na tentativa desesperada de ensinar a filha a gatinhar.

Por fim, a Judo aprende a andar, ganhando, assim, a “corrida dos bebés”. Chilli admite às filhas a sua tristeza e explica que, no fundo, se questionava se estaria “a fazer tudo mal”. Nesta altura, conta, foi visitada por uma das mães do grupo, que conversou consigo e lhe assegurou de que “estava a sair-se bem” [na sua maternidade]. “A partir desse momento”, a mãe conclui, “decidi correr contra mim mesma”.

Efectivamente, todos os pais se sentem orgulhosos com as primeiras conquistas dos seus filhos e têm vontade de as partilhar com o mundo. Na verdade, estas conquistas são também um bocadinho suas, não só porque os filhos também representam parte de si, como porque os pais se sentem competentes na sua parentalidade e isso é muito importante.

Mas, se isto é verdade, o contrário também o é. Tal como acontece com Chilli, quando os pais sentem que os filhos demoram mais tempo que “os outros” a realizar certas aquisições (sentar; gatinhar; andar; falar, etc), ou que algum aspeto do seu desenvolvimento o difere dos demais, isso pode ser inquietante para si e levantar preocupações, mesmo que nem sempre tenham uma razão válida para existir.

Assim, torna-se muito fácil passar do orgulho à frustração, e um olhar individualizado e, desejavelmente, orgulhoso sobre o próprio filho e o seu desenvolvimento é, sem que os pais nem sempre se apercebam, substituído por um foco excessivo em comparações e nos “filhos dos outros”. Afinal, que pais nunca fizeram comparações entre os seus filhos e os filhos dos outros?

Ao contrário do que se possa pensar, isto acontece, não por que os pais sejam egoístas ou invejosos, mas porque muitas vezes se questionam, consciente ou inconscientemente, “se se estarão a sair bem” na sua parentalidade - ou, como neste caso, “o que estarão a fazer mal”. É este sentimento de incompetência, muito bem ilustrado por Chilli no episódio, que leva a que os pais se sintam inseguros em relação aos seus filhos e levantem preocupações quanto ao seu normal desenvolvimento.

É sabido que cada criança é única no seu desenvolvimento e nas aprendizagens que realiza, e não há uma igual a outra. Todas têm o seu tempo e ritmo próprios, bem como a sua personalidade e forma individual de ser e crescer, e é isso que faz com que o processo de descoberta que os pais realizam com os seus filhos possa, e deva, ser vivido como a viagem rica e surpreendente que sempre é (ou pode ser).

A parentalidade traz consigo inúmeras dúvidas, preocupações e receios, todos eles válidos e naturais, sobretudo numa sociedade em que a pressão e as expectativas que recaem sobre si ocupam cada vez mais lugar e, por vezes, quase impedem os pais de “respirar”. Por isto mesmo, todos precisam, em determinados momentos, de ser assegurados de que “estão a sair-se bem” com os seus filhos, e todos merecem sê-lo, já que esta é uma viagem que nenhum pai deve deixar de viver para passar a “correr contra os outros”, sob pena de não vir a conhecer o que os seus filhos têm de mais único e valioso.

Como conclui Chilli, há que aprender “a correr a sua própria corrida”, e isto significa os pais poderem superar-se a si próprios - em particular, nas suas inseguranças e inquietações -, e ajudar os filhos no mesmo sentido. Caso contrário, dificilmente será possível ensinar a criança a fazê-lo e, também esta, passará a precisar de olhar os outros para saber em que “lugar” da corrida se encontra.


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TEMPORADA 2, EPISÓDIO 47

TÍTULO: Corrida de bebés

LINK: https://youtu.be/P8iRaTyHpk0

SINOPSE

Bluey é uma série de televisão infantil, de origem australiana, transmitida internacionalmente pela Disney Junior e Disney +. O programa gira em torno de Bluey, uma cadela antropomórfica de 6 anos, e a sua família - pais (Bandit e Chilli) e irmã mais nova (Bingo, de 4 anos). Através do reino infantil da imaginação, da brincadeira e do faz-de-conta, que ocupa um lugar central na vida quotidiana das duas irmãs, todos os episódios trazem à luz importantes temáticas da psicologia infantil e da parentalidade, apresentando sempre, de forma criativa e divertida, uma resposta construtiva aos conflitos emergentes.