O que é a psicoterapia: o papel e a atitude de um psicoterapeuta

Diogo Gonçalves

O Papel do Psicoterapeuta

Como é que isso do "falar" ajuda em alguma coisa?; Porque não desabar com um bom amigo em vez de falar com um psicoterapeuta?

O que é que um psicoterapeuta tem de diferente das outras pessoas a quem podemos confidenciar os nossos problemas?

O que se passa afinal numa psicoterapia que torna aquele encontro entre duas pessoas assim tão diferente de qualquer outro encontro nas nossas vidas?

O papel de um psicoterapeuta em psicoterapia psicanalítica é ajudar quem o procura a lidar com as suas emoções mais difíceis e a organizar o pensamento. É uma ajuda e um trabalho contínuo que, no contexto de um encontro específico entre duas pessoas, resultam no germinar de formas mais adaptativas de lidar com as dificuldades pessoais, na redução de angústias e insatisfações instaladas nas diferentes áreas da vida, e na promoção contínua da autonomia individual.

O psicoterapeuta respeita e promove a autonomia e a identidade individuais e procura ajudar a própria pessoa a encontrar dentro de si as respostas que procura para os problemas que a afligem, que comprometem as suas relações e os seus objetivos de vida. O psicoterapeuta é alguém que, ao longo de uma psicoterapia, procura lançar luz sobre aquilo que a própria pessoa até então não pôde ou não conseguiu ver dentro de si, mantendo sempre essa luz acesa, mesmo quando por algum motivo ela parece voltar a apagar-se.

À medida que o "falar" se desenrola em sessão o psicoterapeuta constrói e aplica intervenções que procuram conter a ansiedade e transforma-la em coisas positivas; pôr a pessoa a pensar; oferecer novos pontos de vista; identificar padrões de funcionamento por detrás de dificuldades pessoais e relacionais; construir uma "aliança terapêutica"; ajudar na regulação das emoções e da autoestima; trabalhar resistências internas, etc..

Durante cada sessão muito se passa dentro do psicoterapeuta. Por isso é tão importante e exigente a formação pós-graduada do terapeuta psicanalítico, que envolve um longo processo pessoal de psicanálise (ou psicoterapia psicanalítica) e supervisão contínua durante muitos anos. Ao longo de cada sessão estas são algumas das “tarefas internas” que acontecem no psicoterapeuta:

»Mantém a sua atenção naquilo que lhe é transmitido verbalmente, mas também naquilo que lhe é transmitido não-verbalmente (maior parte do nosso discurso acontece de facto não-verbalmente);

»Procura colocar-se no lugar da pessoa que está à sua frente e tenta perceber como é experiência daquela pessoa a partir de dentro, como sente e pensa;  »Procura perceber como é que aquela outra pessoa o faz sentir e que papeis lhe vão sendo atribuidos (inconscientemente) a cada momento da psicoterapia;

»Procura perceber como se sente aquela outra pessoa face à presença, posição e  função do psicoterapeuta, bem como face às suas tentativas de ajudar a fazer sentido daquilo que lhe é transmitido; 

»Procura, através da narrativa da pessoa (e não só), perceber quais as suas angústias fundamentais e as defesas psíquicas centrais (modos tendenciais de fazer face a essas mesmas angústias, bem como à ansiedade de uma forma geral); procura também aferir a flexibilidade ou exclusividade no uso dessas defesas (o que se relaciona com o entendimento da organização e estrutura de personalidade de determinada pessoa); »Procura outras expressões do mundo inconsciente;

»Procura cruzar tudo o que lhe é dito em sessão, e aquilo de que se apercebe a cada momento da sessão, com a sua experiência clínica, formação e conhecimentos; »Procura gerir momentos de incerteza, de desconhecimento ou de dispersão, esperando pacientemente pelos momentos em que sentidos até então ocultos ou fugazes parecem emergir, criando oportunidades e potenciando transformações;

»Procura sistematicamente sintetizar tudo isto para que, mediante a sua sensibilidade, consiga construir e articular as suas intervenções ao longo das consultas e entre as mesmas, de modo a que estas possam ser úteis e oferecer um efeito transformativo (psicoterapêutico, integrativo ou maturativo) para a pessoa.

Para além da queixa/pedido trazido à consulta, um terapeuta psicanalítico irá sempre avaliar o que pode e o que não pode ser mudado, o desenvolvimento psicológico (como determinada pessoa foi ou não cumprindo todas as etapas esperadas do desenvolvimento psicológico, e conseguindo ou não os ganhos maturacionais próprios de cada etapa), a organização defensiva, o mundo afetivo, as identificações, o mundo interno das relações interpessoais, a forma de gerir a autoestima e o sistema de crenças adaptativas/desadaptativas. Estas são informações que o psicoterapeuta guarda para si mesmo, pelo menos num primeiro momento, servindo enquanto alicerces fundamentais para o diagnóstico clínico e para a orientação do trabalho clínico a cada etapa da psicoterapia. A mudança em psicoterapia e as novas situações e emoções que elas trazem e/ou revelam vão alterando o diagnóstico, o que por sua vez também condiciona mudanças no curso trabalho clínico e abrem portas a novas fases do percurso psicoterapêutico.

O terapeuta psicanalítico ao procurar ajudar quem o procura a conseguir maior qualidade de vida, torna-se num cuidador que zela pelos interesses mais elevados dos seus clientes. Ele é também alguém com vastos conhecimentos, experiência pessoal e experiência clínica na área do desenvolvimento psicológico e da personalidade, normal e patológico, e das funções e princípios mentais universais (por exemplo, o facto da mente não ter capacidade para se curar sozinha dos efeitos de situações traumáticas ou particularmente adversas, sobretudo quando acontecem durante a infância, o que tende a resultar na formação de sintomas e psicopatologia ao longo da vida). É ainda especialista no entendimento de como o ser humano muda e em que circunstâncias.

É com estas ferramentas que o psicoterapeuta trabalha ao nível da reabilitação e/ou construção de recursos internos que permitem romper amarras e quebrar circunstâncias internas e de vida aprisionantes que impedem e privam a pessoa da oportunidade de uma vida plena.

A atitude do psicoterapeuta em sessão

"Será que o psicoterapeuta vai achar que eu sou doente...? Que sou maluco(a)...? Que estou estragado(a) ou tenho um defeito fundamental e irremediável...?"

Como ultrapassar o medo da crítica, do julgamento e da censura dos outros?

Um psicoterapeuta não emite julgamentos, e muitas pessoas evitam mesmo recorrer a um psicoterapeuta por receio de serem julgadas. É um medo que está sobretudo ligado à experiência de sermos ou termos sido julgados(ou pior...) por aqueles que são ou outrora foram as pessoas mais próximas ou mais marcantes das nossas vidas. Está também relacionado com a tendência a nos julgarmos a nós mesmos (e por vezes aos outros), pois essas pessoas outrora mais críticas, mais irritáveis, mais culpabilizantes ou mais inferiorizantes vão ficando gravadas dentro de nós e contra nós. São como uma herança emocional nociva e sempre presente, tornada inevitável pelos próprios processos psíquicos de internalização e identificação que fazem parte e moldam o desenvolvimento da personalidade de qualquer ser humano logo desde muito cedo.

Por vezes também nos julgamos dessa forma não tanto (ou não só) pela exposição prolongada e internalização dessas figuras mais nocivas, mas por falta do seu exato oposto. Falta de pessoas importantes para nós (e nós para elas!) que se mostram ou mostravam (e mais importante de tudo, que se faziam sentir como) tolerantes, atentas, preocupadas, interessadas e compreensívas para connosco nas mais variadas circunstâncias.

Da mesma forma com que nos julgamos a nós mesmos, que somos serveros connosco próprios ou que não nos aceitamos, naturalmente iremos achar que os outros também não nos irão aceitar e compreender. Por vezes fica mesmo a faltar ao longo de toda a vida a experiência sanígena, fundamental e reparadora de podermos ser verdadeiramente compreendidos, de termos alguém que lá esteja para nós, capaz de uma sintonia empática e de um interesse compreensivo sobre nós, sobre as nossas preocupações e angústias, sobre as nossas alegrias e tristezas. Alguém que nos deixa a sentir compreendidos, sem crítica ou juizo de valor. Por vezes esse trauma por falta de empatia e o medo da crítica que ele gera transformam-se em desagradáveis companheiros de vida que lançam rédea curta ao sentimento de liberdade e restringem o sentido da mesma. Um encarceramento que vem de dentro e que ataca o próprio direito a podermos ser livremente aquilo que somos, quem verdadeiramente somos, e de podermos existir livres do preconceito, da critica e da restrição. Muitas pessoas nascem, vivem e morrem sem nunca saberem o que isso é... Sem saber o que é viver sem o medo e incómodo persistente ou intermitente do que os outros poderão pensar ou vir a pensar, sobre a própria pessoa, sobre a sua família, sobre a sua situação financeira, sobre as suas associações, etc..

A psicoterapia é um lugar e um encontro que consegue de facto, ao longo do tempo, transformar e remover estas restrições internas. Por vezes elas podem à partida nem ser percebidas enquanto sintomas ou aspetos passíveis de serem mudados, mas sim como a forma normal de sermos, de sentirmos e vivermos a vida. É a nossa personalidade ou feitio, quem nós somos. Ao ajudar a dar nome aos fenómenos da vida interior, áquilo que é num primeiro momento desconhecido ou nunca pôde ser pensado, o psicoterapeuta cataliza um "separar de águas" onde se tornam distintos dois lados da realidade: aquilo que pode e aquilo que não pode ser mudado. Assim se desvela paulatinamente uma nova realidade que transcende quem somos e quem sempre fomos: quem poderemos vir a ser.

Uma outra atitude que o psicoterapeuta deverá procurar manter, e que está de alguma forma subentendida nos parágrafos anteriores, é sem dúvida a de preocupação, ou bem-querer, e de interesse genuíno para com quem procura ajudar. Enquanto pessoas, e de uma forma geral, é muito dificil conseguirmos sentir que estamos a ser ajudados ou a retirar proveito de uma relação psicoterapêutica quando estamos com alguém que nos parece distante, pouco interessado em nós e naquilo que temos para dizer, ou que nos diz coisas que parecem ficar muito ao lado das nossas preocupações ou que não conseguimos entender.

Esta preocupação e interesse compreensivo fazem-se ainda acompanhar por uma atitude a partir da qual o psicoterapeuta se abstem de oferecer conselhos, indicações ou direções a seguir, ainda que por vezes, quando se justifica, poderá oferecer algumas sugestões. Tal prende-se com um importante principio ético (e psicoterapêutico) de uma qualquer psicoterapia, a defesa e promoção da autonomia individual, do direito de uma qualquer pessoa à liberdade de pensar, de agir, de escolher e de tomar decisões sobre a própria vida. Quando essa autonomia está por algum motivo comprometida, então o primeiro passo poderá mesmo ser o fundar de uma relação terapêutica que servirá de alicerçe para a construção, reconstrução ou para o desbloquear do “Eu” autónomo e diferenciado.

É ainda de realçar a posição moral da psicologia psicanalítica enquadrada num panorama político e social. São três os pontos centrais a realçar: A necessidade de considerar e enfrentar a realidade por mais dolorosa que seja, em detrimento do ignorar da verdade e da realidade; a ligação íntima entre os cuidados básicos e a construção de uma sociedade saudável, na medida em que a negligência social pela infância conduz inexoravelmente ao sofrimento da sociedade; e a autonomia enquanto direito próprio, originária a partir de um cuidado parental sensível, cuja falta pode, com sorte, ser remediada pela psicoterapia.