O Papel da Inteligência Emocional nos Desafios de um Envelhecimento Adaptado

João Guerreiro

O envelhecimento enquanto experiência psicoafectiva altamente exigente, está marcado por um conjunto de transformações de naturezas diferentes. Mudanças corporais que afectam em muitos casos a imagem que os indivíduos têm de si próprios, diminuição de algumas capacidades sensoriais ou lutos de pessoas próximas que confrontam o indivíduo com a proximidade da sua própria morte, são apenas alguns exemplos dos desafios que o sujeito de idade avançada tem forçosamente de enfrentar. O idoso depara-se nesse sentido com um conjunto de transformações que exigem toda uma série de competências que contribuam para atravessar de forma ajustada mais esta etapa do seu processo de desenvolvimento. Algumas dessas competências estão associadas ao que vulgarmente se apelida de inteligência emocional. Trata-se de um conceito que conquistou grande popularidade com a publicação em 1995 de um livro com o mesmo título por Daniel Goleman. Apesar de relativamente pouco estudado entre os mais idosos, a inteligência emocional abarca um conjunto de cinco competências básicas, a saber:


1. A empatia que está relacionada com a facilidade da pessoa idosa identificar sentimentos, desejos e problemas dos indivíduos que as rodeiam, através, por exemplo, da leitura de comportamentos não verbais tais como o tom de voz, a postura corporal ou a expressões faciais daqueles com quem interagem.

2. A sociabilidade que consistiria na capacidade de iniciar e preservar relações de amizade ao longo dos anos, independentemente da idade, sendo esta rede social de apoio decisiva para melhor se tolerar os desafios impostos neste momento tão sensível do desenvolvimento

3. A automotivação que está associada à capacidade de elaborar planos para a própria vida com esperança e optimismo, apesar de, no caso da pessoa idosa, se estar a atravessar as derradeiras etapas do ciclo de vida.

4. O autocontrole que passa pela capacidade de lidar com os próprios sentimentos e impulsos gerados por situações, por exemplo, ligadas à impossibilidade de realizar actividades que se constituíam antes como fonte de satisfação.

5. A autoconsciência ligada à capacidade de identificar, nomear e avaliar os sentimentos, por exemplo, associados muitas vezes à reforma e à perda de statuseconómico. 

Como se desenvolvem estas competências ao longo da vida? Será que as pessoas “nascem” com determinados níveis de empatia? Ou esta competência, como outras que estão envolvidas na inteligência emocional, vai-se desenvolvendo em resultado das experiências de vida? A resposta a estas questões reabre uma discussão bizantina ao nível da psicologia e que opõe nature vs. nurture, ou seja o peso relativo dos aspectos constitucionais ou inatos, comparativamente à influência do meio ambiente. Se por um lado a investigação sugere que existe uma componente genética associada à inteligência emocional, pesquisas na área da psicologia do desenvolvimento têm vindo a demonstrar que as experiências relacionais que os indivíduos vão acumulando ao longo da vida modulam decisivamente os índices deste tipo de inteligência.

Talvez nunca alcancemos uma resposta cabal a esta questão, mas um dado parece ser mais consensual: A inteligência emocional aumenta com a idade. Ao contrário do que se passaria com o declínio que algumas funções cognitivas sofrem em resultado do envelhecimento normal (e que importa ter em conta na altura de estabelecer a diferença entre estes quadros e os de deterioração cognitiva e demência), grupos de pessoas mais velhas apresentam resultados significativamente superiores aos dos grupos mais jovens na maioria das dimensões da escala de inteligência emocional. Uma explicação mais ligada ao “senso comum” associaria estes resultados à “maturidade” que as pessoas vão adquirindo ao longo da idade. Mas se assim é, como é explicaríamos a cifra avultada de pessoas que sucumbem nesta fase da vida a perturbações psíquicas como estados depressivos, perturbações de ansiedade e agravamento das perturbações de personalidade? O que hoje se acredita ao nível da psicogerontologia é que o envelhecimento se constitui como uma etapa marcada por um potencial evolutivo. Torna-se por isso necessário compreender as mudanças que ocorrem nesta altura da vida à luz dos recursos que cada pessoa foi acumulando em resultado dos diferentes acontecimentos de vida e da forma como se foi organizando em resultado disso, ou seja, em função do nível de desenvolvimento emocional alcançado.

O desenvolvimento psicológico não fica portanto estagnado e se, em termos da personalidade, se regista uma tendência em termos de estabilidade, as possibilidades de mudança comportamental continuam em aberto, se bem que pessoas previamente melhor adaptadas encontrem um leque mais variado de alternativas. Pensar portanto a inteligência emocional no âmbito da pessoa idosa passa sobretudo por um esforço de individualização, ou seja, mais do que darmos o trabalho por terminado no cálculo do quociente de inteligência emocional, torna-se mais importante que isso, perceber as susceptibilidades e pontos de maior coesão em termos do funcionamento mental nas diferentes competências que este conceito compreende.

Só assim estaremos efectivamente em melhores condições de avaliar o modo como esses recursos serão postos ao serviço do bem-estar psicológico da pessoa idosa, isto é, se se revelam insuficientes para fazer frente aos desafios que o envelhecimento coloca ou, se serão eles que os responsáveis por tornar verdade o aforismo de Madame de Staël-Holstein: “quando uma existência digna preparou a velhice, não é a decadência que se recorda, mas sim os primeiros dias da imortalidade”.

Autor: João Guerreiro