Há muito que não sonha...?

Tânia Paias

O sonho

"Por que deixar uma ferramenta como os sonhos enferrujada? Por que deixar a caixa fechada, quando é um presente que nos foi dado? Um presente com poderes que podem alterar nossas vidas." - Richard Bach 

Desde a Antiguidade vemos o interesse pelos sonhos, na Sociedade Egípcia, na Grécia Antiga, de Platão, a Aristóteles até Artemidoro que colocou um carácter interpretativo e relacional nos sonhos, remetendo para uma concepção algo inovadora, apesar de os relacionar muito com o mítico e o profano. Mas é com o pai da Psicanálise que os sonhos ganham uma relavância extrema.

Freud, em seu livro, A Interpretação dos Sonhos esquematiza os sonhos por temas, relaciona-os com a vigília e o conteúdo do sonho, e atribui-lhes a possibilidade dum método científico. A teoria dos sonhos, como Freud a postulou foi sofrendo alterações, quer pelo próprio, quer por diversos autores, mas o seu contributo foi tão valiosos que é sempre tomado como ponto de partida. Todo o sonho tem o seu conteúdo, manifesto e latente (aquilo que é relatado, e o seu significado oculto) os mecanismos de trabalho do sonho (deslocamento, condensação...) e mecanismos de defesa.

Os sonhos relacionam-se com a vida do sonhador enredando situações com fortes cargas emocionais, e quando analisados, quando compreendidos, podem enriquecer muito a vida do sonhador, pois oferecem-nos a possibilidade de conhecer as problemáticas actuais de cada indivíduo.

Como nos diz Coimbra de Matos, o sonho assume capacidade diagnóstica e prognóstica, sendo que, por vezes, um sinal de melhoria aparece num sonho, em indivíduos em terapia.

De facto as caminhadas oníricas são sombrias, obscurecidas por diversos elementos, mas, quando rumo à luz, à claridade, põem em acção saberes, recalques de uma vida outrora esquecida, ou tentada a esquecer, aquecendo a nossa alma, fazendo-nos viver e reviver.

 

Os ciclos do sono

É frequente dizermos que há muito que não sonhamos, ou que durante uma altura sonhamos muito, mas que depois existe outra em que nada sonhamos. Mas será mesmo que sonhamos muito nuns dias e muito pouco nos outros?

Mediante estudo polissonográfico podemos definir o padrão do sono e perceber que este oscila entre ondas lentas, rápidas, alfa e teta, oscilando entre várias fases que vão desde o estado de vigília até ao sono profundo. Estas fases dividem-se em quatro que correspondem à fase NREM (no rapid eyes movements) que vai desde o estado de vigilia ( fase 1 e 2) até ao sono profundo (fase 3 e 4) mais o sono paradoxal que corresponde à fase REM (rapid eyes movements), onde sonhamos por excelência. Nesta fase são activados uma série de circuitos, assim como uma torrente de emoções, todos ao serviço dos sonhos. Existe ainda uma "limpeza" da informação que deixou de ser importante, bem como a passagem da memória a curto prazo, para a memória a longo prazo. Aqui o limiar do despertar é extremamente alto. Existe uma diminuição do tónus muscular assim como a presença de movimentos oculares rápidos (REM), correspondendo à fase em que o corpo está paralizado, mas a mente activa. Poder-se-á dizer que no estádio 3 e 4 do sono o indivíduo encontra-se numa fase de reparação física, cabendo ao sono paradoxal a recuperação mental e psicológica.

Todos estes estádios estão presentes ao longo do sono, repetindo-se num ciclo que dura entre 90 a 120 minutos. O sono paradoxal ocorre cerca de 100 minutos após o adormecimento, tendo uma ocorrência total, no ciclo do sono, de 29%. O facto de sonharmos muito numa noite e nada sonharmos em noites seguintes, tem que ver com este ciclo do sono e com a fase em que acordamos.

Não nos recordarmos dos sonhos

Como pode acontecer que ao acordar não nos lembremos dessa noite de sonhos? Não sonhei de facto? Ou apenas não me recordo dos sonhos?

O que acontece é que não nos recordamos dos nossos sonhos. Quando um indivíduo não sonha, ou seja, não atinge a plenitude do seu ciclo de sono, é porque sofre de distúrbios do sono. Este é interrompido várias vezes e não se completa, daí uma redução da fase REM. Este sim, é um factor que faz influênciar a redução da quantidade de sonhos dos indivíduos e produzir dificuldades de concentração, de atenção... Numa noite de sono regular existe uma produção onírica "razoável", mas a sua recordação depende do momento do despertar. Se acordarmos logo após a fase REM temos uma plena recordação do nosso sonho, mas se acordarmos numa fase posterior já temos mais dificuldades em recordar. Isto acontece porque as imagens a que temos acesso no sonho remetem para a memória a curto prazo, dissipando-se facilmente.

Autor: Tânia Paias